[Conto] Oi Mamãe!!

Escrito por Orivaldo Leme Biagi
Um carro aproximou-se da imensa casa rodeada de árvores. O portão, automático, abriu-se e o carro rapidamente entrou iluminado por um raio muito intenso seguido de um trovão retumbante. A chuva começaria logo, mas parecia não importar à mulher dentro do carro. Depois de seguir uma pequena pista feita de pedras, ela estacionou o carro na frente da imensa casa. A chuva começou lentamente e alguns pingos a atingiram. Seu rosto triste mostrava que ela nada tinha sentido.
Dentro da casa a mulher dirigiu-se ao bar, encheu um copo com uísque e sentou-se no imenso sofá na sala. Vieram outros raios e trovões, seguidos de uma forte chuva. A mulher pegou um retrato sobre uma mesinha perto do sofá, que continha a fotografia de um menino, com aproximadamente 10 anos de idade. Ela tomou um longo gole de uísque e algumas lágrimas escorreram de seu rosto. Ela encostou o retrato no seu peito e começou a chorar mais forte.
O barulho da chuva caindo e o soluçar da mulher retumbavam por toda a casa, sendo que seu soluçar parou pelo tocar do telefone. Ela pegou o telefone.
- Ah, é você! – respondeu a mulher, com desprezo. – O que você quer? COMO? Você quer saber se estou bem? CLARO QUE NÃO! Só um medíocre como você poderia perguntar algo assim depois do que aconteceu... NÃO ESTOU GRITANDO! E, sim, ESTOU BEBENDO, SIM! Não é da sua conta o que eu faço... O QUÊ? Como ousa dizer isto, seu CANALHA! Mais do que ninguém EU O AMAVA! NÃO ME FALE DAQUELE DIA!!! DEIXE-ME EM PAZ! – e desligou brutalmente o telefone, indo até o bar para encher o copo com uísque novamente.
Voltou-se a sentar no sofá, exatamente como estava sentada antes do telefonema. E segurou o retrato exatamente como tinha segurado antes. Seu soluçar ficou mais alto e suas lágrimas aumentaram.
- Não fui eu, amor! Não fui eu! – ela falava, entre um gole e outro de uísque, entre uma lágrima e outra que caía a cada soluçar. Raios, trovões e chuvas completavam o som do local. Logo, ela adormeceu.
Um trovão muito forte a acordou. Tudo estava apagado, pois a energia elétrica havia acabado por causa do mau tempo. O copo, vazio, estava caído no chão. O retrato ainda estava no seu peito. Ela levantou-se, ainda zonza e com dor de cabeça, sem saber para onde queria ir. Um raio iluminou a sala e ela, intrigada, viu a figura de um menino. O mesmo do retrato.
- Oi, mamãe! – disse o menino, com uma expressão vazia no rosto.
Ela abriu os olhos e sorriu. Não estava mais zonza nem a cabeça doía mais. Ela correu até o menino e o abraçou, ajoelhando-se. Abraçou com muita vontade.
- Meu filho! MEU FILHO! É você, não? Sim, É VOCÊ! Pensei que jamais o viria outra vez! – e abraçava forte o menino, que, por sua vez, não mudava a expressão vazia do rosto. – Estava com saudades de você, meu filho! – disse a mulher, chorando e rindo ao mesmo tempo.
- Eu sei, mamãe! – disse o menino sem maiores emoções. – Estou aqui como você queria.
Ela chorava muito e o abraçava com força.
- Andou bebendo de novo, mamãe? – perguntou o menino com frieza.
Ela olhou para ele com os olhos cheios de lágrimas.
- Não importa! – ela disse. – O que importa é que você voltou!
Ele manteve-se impassível enquanto andou para o centro da sala, desvinculando-se do abraço dela.
- Naquele dia você bebeu, mamãe! Lembra-se? – ele disse, olhando para o copo caído no chão. – Você e papai brigaram feio na cidade e você me trouxe para cá. Você bebeu muito naquele dia!
Ela levantou-se e, parando de chorar, olhou com preocupação para o menino.
- Por que você está falando estas coisas? Aquele dia passou e você está aqui!
- Aliás, você sempre bebeu! – continuou dizendo o garoto, sem emoções. – Desde que me conheço por gente! Nossa vida sempre foi ver você beber e brigar com papai ou brigar com papai e beber. Sempre a mesma coisa.
Ele pegou o copo do chão e o olhou profundamente. Viu ainda um pouco de uísque no seu interior. - O que isto tem que eu nunca tive, mamãe? – perguntou o menino. – Meu sorriso, minhas notas na escola, minhas brincadeiras... nada disso conseguia fazer você olhar para mim – você sempre olhou para isto!
Ele continuou olhando para o copo.
- Naquele dia, vindo para cá, tudo ficou escuro por um momento... lembro muito pouco daquele dia. – disse o menino. – Na verdade, a única coisa que me lembro bem foi o seu cheiro disto antes de tudo ficar escuro, mamãe!
- Meu amor! – disse a mulher, aproximando-se do menino, tirando o copo de sua mão, abaixando-se para poder olhar dentro dos seus olhos. – Tudo isto passou, meu amor! Errei muito antes e jamais te dei o amor que deveria ter te dado... mas, agora, com a sua volta, tudo será diferente! Aquele dia acabou e não acontecerá de novo! Não é tarde, meu amor! Tenho outra chance para te dar todo o amor que jamais te dei! Ainda não é tarde!
Pela primeira vez na noite, ele sorriu. Mas ela ficou mais assustada do que propriamente calma com este sorriso. Seu sorriso era aterrorizante, não confortador.
- É tarde sim, mamãe! – respondeu o menino. – Mais tarde do que você imagina!
Ele começou a pular pela sala, gritando histericamente “MAMÃE! MAMÃE! MAMÃE!”, enquanto que os raios, trovões e a chuva continuavam inabaláveis.
- Meu amor, o que aconteceu? – disse a mulher, chorando.
- Você nunca me amou, mamãe! – respondeu o menino, ainda pulando. – Jamais amou alguém!
- EU TE AMO!!! – ela gritou.
Ele parou de pular e a olhou profundamente.
- Não me amou quando eu estava vivo... como poderia me amar agora? – e, no final destas palavras, ele sorriu. O mesmo sorriso aterrorizante de momentos atrás.
Ela parou de chorar e, paralisada, tentou entender as palavras de seu filho.
- Você me matou naquele dia, mamãe! – respondeu o menino, iluminado por um raio. – Desde que você saiu do hospital que não se conforma com isto e vive me chamando... não quis vir aqui, mas tinha de vir depois de tantos chamados.
Ela estava paralisada.
- Não quis vir porque te odeio, mamãe! – ele respondeu. – Mas estou aqui, certo? Vim aqui para te pegar! – ele disse, sorrindo. – Vamos brincar de esconde-esconde? Nunca brincamos disso! Enquanto eu me viro na parede e começo a contar até 50 e você vai se esconder e eu vou te achar... para sempre!
Ele encostou o rosto na parede e começou a contar, falando os números bem alto. Ela, aterrorizada, começou a correr. Subiu as escadas, entrou no seu quarto e fechou a porta, passando a chave com afobação.
- Perdoe-me, meu amor! Meu filhinho amado! – ela, ajoelhada na porta do quarto, falava chorando.
- Eu vou te achar, mamãe! – o menino disse, com sua voz bem perto da porta. A maçaneta da porta começou a ser mexida com força. Ela afastou-se da porta, andando de costas.
- TE PEGUEI, MAMÃE! TE PEGUEI!!! – gritou o menino, surgindo atrás da mulher! – Agora estaremos juntos... PARA SEMPRE!!!
O menino estava diferente: seu rosto apresentou-se deteriorado, assim como seu corpo, sendo que suas roupas estavam rasgadas e sujas. Este era sua verdadeira forma agora.
Ela, horrorizada, não viu a janela nas suas costas e caiu, dando um longo grito de agonia.
O menino, olhando pela janela o corpo de sua mãe no chão, comentou:
- Estaremos sempre juntos, mamãe! – disse o menino, com a expressão do rosto, todo deteriorado, indiferente. – Juntos no INFERNO!!!
A chuva continuou junto dos raios e trovões. E a mamãe e seu filho ficaram eternamente juntos... no INFERNO!

0 comentários: